Antes de mais nada, uma rápida introdução profissional: comecei a mexer com Linux e software livre em 1998, e passei a usá-los profissionalmente em 2001. Era uma época complicada pela falta de informação e documentação disponível, além da ausência de soluções livres que facilitam a vida de todo mundo e são comuns hoje em dia.

A simples ideia de instalar o Linux já era uma aventura emocionante: interface de instalação em modo texto, você tinha que selecionar todos os pacotes manualmente, e invariavelmente você ia ter que baixar um módulo de vídeo ou de som e recompilar o Kernel se quisesse que tudo funcionasse perfeitamente.

De lá para cá muita coisa mudou, mas três fatores ainda parecem estar longe de mudar: a desconfiança dos gestores em adotar soluções livres, a barreira criada pelos usuários durante a migração, e a afobação dos técnicos, que acreditam que uma migração de sistemas dentro de uma empresa pode ser feita da mesma forma que em casa, sem estudos ou testes.

Migrações e implantações dentro de uma empresa são um assunto complexo, e não é porque você conseguiu instalar o Linux em sua casa que você pode vender a ideia de uma migração completa dentro da empresa em que você trabalha. Lembre-se, não é só a reputação do Linux dentro da empresa que está em jogo, mas o seu emprego também está. Para essa tarefa, é preciso muito mais do que conhecimento técnico: é preciso entender a empresa, conhecer a burocracia,  e saber contornar.

Parece brincadeira, mas ainda hoje vejo algumas das mesmas dúvidas e erros que eu cometia em 2001. Não deveria ser assim. O Linux está bem mais fácil de instalar e usar, o OpenOffice – BrOffice para os brasileiros – está bem mais compatível com o Microsoft Office, e várias distribuições já trazem programas que fazem parte da configuração dos servidores de forma rápida. Mas ainda é comum ouvir histórias de empresas que tiveram problemas tentando migrar para Software Livre, a maioria deles causada por burocracia interna ou pura e simples afobação de entusiastas do Linux.

Pensando nisso, compilei alguns dos macetes que aprendi durante minha vida profissional, de forma a ajudar quem está começando. Na maioria são coisas óbvias, mas reitero: ainda vejo isso acontecendo. Basta entrar em listas de discussão ou conversar em comunidades que você encontrará alguns dos casos tratados aqui.

Sem mais, vamos às dicas.

Aprenda a falar a língua das pessoas

Sua missão: fazê-lo entender o que é TCP/IP

Existe uma arrogância comum na informática, e principalmente entre os usuários de software livre, de achar que as pessoas têm a obrigação de saber do que você está falando. Não é bem assim.

Cada um tem suas formas de entender as coisas, e não levar isso em consideração no máximo irá te deixar frustrado, imaginando que seus superiores ou os gerentes de outros setores não entendem a maravilha que é o Software Livre. E, em empresas, onde existem estruturas e cargos bem definidos, um “não” de um chefe pode matar o projeto logo no começo. Para evitar isso, é importante saber com quem você está lidando e mostrar para elas as vantagens da migração.

Os exemplos são vários. Se seu superior não entende de informática, de que adianta falar de forma entusiasmada sobre aquele projeto de proxy com diversas camadas de segurança, autenticação de usuários, anti-vírus e firewall integrados e controle de acesso? No final vai perguntar “o que eu tenho a ver com isso?”. Nesse caso, sério, não explique o que você vai fazer, mas o que a empresa vai ganhar.

Se o chefe só olha o lado financeiro, faça uma tabela ou um relatório demonstrando o quanto se gasta com navegação desnecessária ou quanto tempo um usuário fica parado quando a máquina é invadida ou pega um vírus, e demonstre que a mudança vai diminuir isso, gerando uma economia geral. Se seu chefe é viciado em controle e produtividade, mostre outro lado: que o proxy gerará relatórios de navegação e uso da internet, permitindo identificar gargalos ou usuários pouco produtivos. Pronto, sem entrar em qualquer tipo de detalhe técnico, você pode convencer seu superior. Afinal, agora ele é capaz de enxergar as vantagens na mudança.

Jamais diga que o Linux é “de graça”

Sério. Não estou brincando. Faço questão de repetir isso: Jamais diga que o Linux é “de graça”.

Motivo? Para muitas pessoas, mesmo algumas que trabalham com informática, existe uma forma simples e imutável no mundo: quanto mais caro o produto, mais qualidade ele terá. Se pararmos para pensar, fora do mundo da informática, isso faz algum sentido. Produtos mais caros normalmente denotam maior qualidade ou mais recursos. Agora, como uma pessoa com esse juízo de valor poderia encarar a notícia de que um produto é “de graça”? Provavelmente pensando (ou falando) “De graça? Então deve ser uma porcaria…”

E há outro problema: ao afirmar que uma solução é de graça, você está dando margem para que aqueles que torcem contra a mudança possam barrar o projeto caso algum gasto apareça (equipamento diferente, livros, ajuda de terceiros etc.). Aí, vai você explicar que aquela placa de rede extra na verdade não tem nada a ver com software livre, ou que o módulo para conectar aquele sistema proprietário ao sistema livre é pago, e por aí vai.

Na dúvida, use sempre “livre” ou “aberto”.

"De graça? Não quero."

Antes de começar a migração, cheque se ela é possível e se você sabe como fazer

Algo muito comum em listas de discussão e fóruns sobre Linux (na verdade, em qualquer lista técnica), e até mesmo nos comentários do meu blog é encontrar uma mensagem mais ou menos assim:

“fala glra, tô com um pepinão aqui, peguei um projeto de migração Linux numa empresa com 160 computadores e cinco servidores que precisam se autenticar via LDAP, através de uma VPN em um proxy fechado dentro de uma firewall e tudo ligado em um rádio de pilha. Eu falei pro meu chefe que dava pra migrar tudo pra Linux, e agora ele tá em cima de mim, me cobrando, e já falou que vai me mandar embora se eu não entregar tudo amanhã. Vi na net que dava pra fazer, mas estou tendo alguns problemas. Alguém  me ajuda? Parei na parte em que a instalação do Linux me pede pra reiniciar o computador….”

Aí o sujeito obviamente não consegue, mas é o chefe quem vai ficar com a impressão de que tudo no Linux é mais difícil ou impossível.

Lógico, cada caso é um caso: já vi chefes pedindo dos técnicos coisas que eles simplesmente não sabiam como fazer. Mas se a ideia da migração partiu de você, ao menos tenha a certeza de que você sabe o que está fazendo.

Como? Monte uma mini-rede em algum lugar do seu escritório, fora da rede “oficial”, com duas ou três máquinas ligadas, e faça todos os testes possíveis. Não é porque você pegou um manual na internet que diz ser “super simples” que acabará sendo simples. Ainda mais se forem necessárias mudanças nos scripts de configuração. Se você não sabe ao menos como funcionam os parâmetros básicos do Samba, não deveria prometer um servidor SMB com autenticação LDAP para amanhã.

Garanta que a migração seja transparente para o usuário comum

Imagine a situação: você passa a noite instalando o OpenOffice em todos os computadores da empresa, e logo pela manhã já recebe uma ligação de um funcionário do Financeiro, dizendo que não consegue abrir corretamente nenhuma planilha do Office 2007. Você fala que vai ter que migrar as planilhas, mas isso vai demorar um pouco. Cinco minutos, seu chefe te liga, mandando você reinstalar o Office 2007 na máquina do funcionário, já que ele não consegue trabalhar. A notícia se espalha, e em menos de uma semana está todo mundo usando o MS-Office de novo, com o OpenOffice encostado em algum canto do disco rígido.

É um cenário bem comum, acredite. Agora imagine um funcionário chegando no trabalho na segunda-feira e encontrando a tela de login do Ubuntu no computador dele.

A única forma de evitar isso é garantir que o usuário saiba o que está para acontecer e se antecipar às necessidades dele. O proxy vai ser totalmente fechado, só permitindo acesso a alguns sites, mas você sabe quais sites cada setor costuma acessar? O usuário sabe que ele deve avisar a você caso não consiga acessar a página, ou vai simplesmente achar que ela está fora do ar? Todas as portas vão estar fechadas pelo firewall, mas não há programa ou site que se conecte por uma porta específica? Os documentos mais importantes são totalmente compatíveis (visual, fórmulas, macros etc.)? Caso não sejam, existe alguma alternativa?

Você não precisa ter esse adesivo colado em todos os computadores

A lista vai embora. Perceba que nesse caso não é só o conhecimento técnico que se torna necessário, mas o conhecimento da empresa e o relacionamento com os funcionários. Pois é, ninguém disse que migrar era fácil…

Saiba a hora de dar o braço a torcer

Parte da vantagem de envelhecer é saber escolher quais batalhas lutar. E isso significa saber a hora de parar o projeto de migração que está se arrastando por meses a fio e pensar em alternativas.

Não dá para usar o Linux como sistema padrão em todos os computadores? Mas e nos servidores? O OpenOffice não foi homologado por todos os setores? E o antivírus? Por aí vai.

Continuar dando murro em ponta de faca não vai resolver nada. No máximo, você vai ser conhecido como o fanático que quer fazer a empresa perder dinheiro com esse tal de Linux….