Entre a impotente catedral e o criativo bazar projeto de lei propõe usar o CT-info para fomentar comunidades que desenvolveram software livre.

SÉRGIO AMADEU DA SILVEIRA

ARede nº60, junho 2010 -Em 1999, Eric Raymond lançou um livro chamado Catedral e Bazar, uma publicação extremamente inovadora, que explicava o modelo de desenvolvimento de software livre baseado na colaboração. Para o autor, a forma de escrever os códigos do Linux era mais parecida com o funcionamento de um grande bazar, onde milhares de pessoas se auto-organizam em uma multiplicidade de opções, escolhas e riqueza incríveis. Já os modelos de software proprietários mais pareciam com uma catedral, fria, gigantesca e engessada em sua hierarquia verticalizada.

A ideia defendida por Raymond é de que diante de “um número de olhos suficiente, todos os erros são triviais” (www.dominiopublico.gov.br/download/texto/tl000001.pdf). No modelo bazar, o software é liberado junto com seu código-fonte – o texto é escrito por um ou mais programadores – que contém as rotinas logicamente encadeadas e que define como o software funciona. Ao liberar o software com o  código-fonte aberto, o seu criador permite que uma grande coletividade se reúna em torno dele para colaborar com o seu desenvolvimento. Assim, o software livre estimula a formação de uma inteligência coletiva distribuída e se baseia efetivamente na liberdade do conhecimento tecnológico. 

A metáfora do bazar é muito útil para entender a dinâmica das comunidades de software livre. Hoje temos milhares de comunidades, milhões de desenvolvedores e mais de 230 mil programas de código-fonte aberto registrados no sourceforge, um dos maiores repositórios de software aberto do mundo (http://sourceforge.net). Temos muitos integrantes dessas comunidades no Brasil. São exemplos de comunidades fortes por aqui o pessoal de: Debian, Ubuntu, Fedora, Slackware, BrOffice (OpenOffice brasileira), Gnome, KDE, Mozilla-Firefox e Bendler, entre tantas outras. 

Percebendo a grande força criativa dessas comunidades de desenvolvedores espalhados pelo país, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) pensou que seria fundamental para o desenvolvimento tecnológico do país que o Estado brasileiro, além de financiar empresas de software, pudesse incentivar o desenvolvimento tecnológico no modelo bazar. Inspirado na experiência do CNPq e dos Pontos de Cultura do Ministério da Cultura, Teixeira pensou que o correto seria abrir editais para o desenvolvimento colaborativo de software, independentemente de a comunidade ter ou não uma entidade formalizada. Tal como se faz em editais para a pesquisa científica, em que um pesquisador se torna o responsável por receber os recursos e gastá-los conforme o projeto apresentado, as comunidades poderiam indicar um responsável por receber incentivos financeiros para tocar um determinado projeto que teria que vencer um edital.

Mas de onde viriam esses recursos? O deputado considera que a fonte de financiamento já existe. É o Fundo Setorial para Tecnologia da Informação (CT-Info), do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), que “se destina a estimular as empresas nacionais a desenvolver e produzir bens e serviços de informática e automação, investindo em atividades de pesquisas científicas e tecnológicas”. Esse Fundo recebe recursos das empresas de desenvolvimento ou produção de bens e serviços de informática e automação que recebem incentivos fiscais da Lei de Informática. Essas empresas devem repassar no mínimo 0,5% de seu faturamento bruto para o Fundo.

Desse modo, sabendo da existência desse Fundo, Paulo Teixeira apresentou, no dia 22 de novembro de 2007, o projeto de lei 2469/2007, que trata do financiamento público de software livre e pretende garantir que, no mínimo, 20% dos recursos do Fundo Setorial para Tecnologia da Informação seja destinado à produção de tecnologias abertas (software livre). O projeto defende que os editais permitam a participação de desenvolvedores individuais ou representantes de comunidades. Assim, reconhece e incentiva o modelo em que, de fato, as comunidades de software livre funcionam.

Recentemente, o ativista Everton Rodrigues lançou um questionamento reproduzido por diversos blogs: “Projeto de Paulo Teixeira para financiamento público de software livre está parado há dois anos e meio. Por que?” Everton afirmou: “Ao consultar o site do MCT, podemos notar que as chamadas públicas ou editais para o CT-info não acontecem há dois anos. Portanto, deixo mais uma questão: Como é o processo de gestão deste fundo?” Em seguida, indicou o link para que os internautas vejam que existe pouca transparência sobre como o Fundo é gerido: www.mct.gov.br/index.php/content/view/9932.html.

O fato é que tudo indica que o secretário de Política de Informática do MCT, Augusto Gadelha, utiliza um argumento completamente equivocado para não permitir que o projeto de lei Paulo Teixeira seja votado rapidamente em Brasília. Gadelha diz que nada impede que todo o Fundo seja aplicado em software livre. Ocorre que isso só aconteceu uma vez, quando o secretário era Arthur Pereira Nunes, um grande gestor brasileiro de tecnologia. De lá para cá, somente empresas que desenvolvem software proprietário também usam esses recursos. Além disso, a lei Paulo Teixeira quer permitir que comunidades tenham acesso aos editais. A proposta é não reconhecer apenas o modelo catedral, mas incentivar o modelo bazar.

A aprovação dessa lei pode gerar um grande salto no desenvolvimento de soluções extremamente criativas e inovadoras no Brasil. Pode colocar nossas comunidades tecnológicas como conectores de um novo salto criativo nas redes. É preciso fazer uma campanha pela aprovação da lei Paulo Teixeira de financiamento de tecnologias abertas.

Sérgio Amadeu da Silveira é sociólogo, considerado um dos maiores defensores e divulgadores do software livre e da inclusão digital no Brasil. Foi presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação.

A Rede - http://www.arede.inf.br/inclusao/edicoes-anteriores/165-edicao-60-julho2010/3137-raitequi