Em tempos de dificuldades económicas fazem-se contas. Anda-se mais de transportes alternativos. evitando assim a utilização do próprio veiculo. Vai-se menos vezes comer fora – ou não se vai de todo. Entre muitas outras formas de conseguir poupar um pouco mais.

 

A Administração Pública portuguesa também faz contas. Mas de um modo diferente. Há investimentos adiados, e há investimentos antecipados. Há que poupar nos gastos não produtivos e gastar no que pode estimular e economia, e retirar-nos mais cedo da crise financeira.

 

A revolução tecnológica que avassala o espírito dos sujeitos da sociedade contemporânea alastra-se não apenas sobre o cenário privado, mas também sobre o público. Se o modo de agir individual modifica-se e, de certa maneira, codifica-se pelas formatações binárias dos computadores e da web, é certo que o Estado não pode orientar sua actuação à margem dessa realidade.

Não se discute mais se a Administração Pública deve ou não se valer dos meios tecnológicos; se deve ou não se informatizar. O debate actual refere-se, sim, à escolha que o Estado, em qualquer de suas esferas, deve fazer entre as várias opções existentes no mercado.

Nesse contexto, com atenção especial à forma de contratação de softwares pela Administração, surge a disputa entre os programas livres e os proprietários. Trata-se, entretanto, de tema cuja difusão se notabiliza em diversas searas do saber, como, v.g., na economia, na administração, na política, na sociologia e, naquilo que interessa ao presente estudo, no direito.

Algumas notícias sobre o software livre no mundo

O software livre, decorrente do inglês free software, revela-se na liberdade que a sua licença confere ao respectivo utilizador. A origem estrangeira da expressão, em que se poderia colher uma ambivalência, tanto programa livre, quanto programa grátis, tem levado algumas pessoas a se confundirem, adoptando a segunda tradução, o que é incorrecto. Essa modalidade de software, também conhecida por aberto ou não proprietário, e em oposição ao fechado ou proprietário, não é necessariamente gratuito. [02] Seu nome, assim, evidencia as liberdades dela decorrentes, pois a sua licença, aliada ao conhecimento de seu código fonte, além de permitir o uso para qualquer propósito, autoriza a reprodução, a alteração e a redistribuição.

No início, os softwares não eram comercializados; eram entregues pelos fabricantes juntamente com os poucos computadores que existiam. Com a evolução dos sistemas e o surgimento da diversidade de hardwares, os programas ingressaram no âmbito de tutela do direito autoral e, por consequência, passaram a ser negociados no mercado, que muitas vezes é monopolista.

O aparecimento do software livre está vinculado a uma relativização dos direitos autorais, em prol do desenvolvimento da sociedade. Ao lado da internet, os programas abertos concorrem para a disseminação da informação. Por seu intermédio, busca-se a tão almejada inclusão digital dos cidadãos. O conhecimento do código fonte dos programas, socialmente compartilhado, gera idóneas possibilidades de concreta participação do indivíduo no mundo contemporâneo da informática.

A adopção de software livre acarreta uma capitalização do desenvolvimento tecnológico, pois pequenas e médias empresas, além de indivíduos, conhecedores dos respectivos códigos, podem concorrer para a melhoria e o incremento da diversidade de programas disponíveis no mercado.

Com efeito, essa possibilidade de agregação de novas funcionalidades e, portanto, de novos valores aos softwares não proprietários, aquece o cenário económico doméstico dos países em desenvolvimento, uma vez que se criam oportunas alternativas de trabalho.

A ampla propagação dos programas abertos deu vida a diversas organizações, cuja função é justamente estudar, desenvolver e difundir os conhecimentos sobre o assunto. Nessa linha, destacam-se a Free Software Foundation – FSF (http://www.fsf.org/) e suas ramificações espalhadas pelo mundo, como, por exemplo, a Free Software Foundation Europa (http://fsfe.org/) e a Free Software Foundation France – FSF France (http://fsffrance.org/). Merecem referência também a Association Francophone des utilisateurs de Linux et des logiciels libres – AFUL (http://aful.org/) e a Associação Nacional para o Software Livre – ANSOL (http://ansol.org) e Associação de Empresas de Software Open Source Portuguesa (http://www.esop.pt/), estas duas últimas de Portugal. A par delas, no Brasil (http://www.softwarelivre.gov.br/), há também diversas outras.

Várias entidades estrangeiras e nacionais têm migrado seus sistemas tecnológicos para softwares livres. A esse respeito, posso dizer que hoje grandes corporações, da utilização do gestor de conteúdos Alfresco pela Comissão Europeia, ao uso de Linux na Polícia francesa, e de OpenOffice.org em numerosos municípios, como Marselha, Saragoça, Munique, Amsterdão, e em regiões inteiras como a Andaluzia, existem inúmeras e indesmentíveis provas da existência desta alternativas, tendo em vista não só a economia, mas também total domínio na tecnologia envolvida, possibilitando a auditoria sobre todos os passos realizados por determinado programa que por muitas vezes é impossível quando se adquire um software vendido comercialmente.

Gastos com software em Portugal

Segundo os dados apresentados pela Direcção-Geral do Orçamento na Conta Geral do Estado de 2009, disponíveis em (http://www.dgo.pt/cge/cge2009), a Administração Central do Estado despendeu no ano passado 160 milhões de Euros em “Software Informático”.

160 milhões de Euros de despesa em 2009

A ESOP examinou os dados apresentados pela Direcção-Geral do Orçamento na Conta Geral do Estado de 2009, disponíveis em (http://www.dgo.pt/cge/cge2009), (faça o download (http://www.4shared.com/folder/JswpqUMI/softwarelivre.html do resumo) e chegou à conclusão que a Administração Central do Estado despendeu no ano passado cerca de 160 milhões de Euros em “Software Informático”.

80 milhões de euros de poupança no OE 2011

Numa altura em que são pedidos sacrifícios a todos os portugueses, e em que o Parlamento avalia as alternativas para os cortes na despesa no orçamento para 2011, a ESOP e ANSOL estão disponíveis para colaborar com o Estado português num plano que permita baixar drasticamente a despesa com software na Administração Pública, através da utilização de software de código aberto – software “Software Livre”. Com base nos valores que constam do Catálogo Nacional de Compras Públicas a ESOP calcula que é possível atingir uma poupança de 50% a 70% na maior parte das aquisições de software do Estado. O que representa uma redução dos custos em software de pelo menos 80 milhões de Euros/ano.

Alguns exemplos de ajustes directos:

# A Direcção-geral de Infra-estruturas e Equipamentos (DGIEE) do Ministério da Administração Interna – 10 milhões de euros para renovação de licenciamento de software Microsoft;

# Secretaria Regional da Ciência, Tecnologia e Equipamentos dos Açores – 5 milhões de euros em renovação de Licenciamento Microsoft;

# CTT – cinco milhões de euros em licenciamento Microsoft;

# Município de Oeiras – 1 milhão de euros em licenciamento Microsoft;

# eEscolas e eEscolinhas – mais de 100 milhões de euros em licenciamento Microsoft.

Os exemplos dados pela ANSOL têm por base a recolha de dados efectuada através de um motor de pesquisa que publica ( http://transparencia-pt.org/)os investimentos efectuados na Administração Pública e um blogue dedicado ao software livre (http://blog.softwarelivre.sapo.pt/2010/03/03/generosas-doacoes/).

 

Melhorar a balança comercial e investir nas empresas portuguesas

Apesar do investimento inicial no processo migratório e na formação, os custos do software livre prolongam a vida útil dos computadores em uso e exige menos actualizações (quantas vezes desnecessárias) que, aumentando os custos, raramente correspondem às necessidades específicas dos utilizadores. O software livre não só permite grandes poupanças, mas também a melhoria da balança comercial, com a substituição das transferências externas inerentes ao licenciamento, pelo investimento na economia nacional em formação e consultorias técnicas efectuadas por empresas portuguesas. O apoio técnico profissional ao software livre é assegurado em Portugal por muitas empresas.

 

Conclusão

O papel do governo no cenário do software livre também é fundamental. Para que se desfrute das vantagens da utilização do software livre e se alcance os objectivos já enumerados, os governos devem executar as acções listadas abaixo. As três primeiras acções estabelecerão um mercado fornecedor e consumidor de software livre, a quarta e a quinta eliminarão a dependência do governo de práticas monopolistas, e as três últimas reforçarão os efeitos das outras acções.

1.Incentivo e recomendação ao uso de software livre em todas as situações em que seu uso não seja inviável;

2.uso do poder de compra para criar padrões de fato;

3.implantação de mecanismos de financiamento e incentivos fiscais ao uso e desenvolvimento;

4.adopção prioritária de protocolos abertos de comunicação;

5.retenção de direitos sobre o código fonte de todo o software adquirido pelo governo;

6.implantação de mecanismos de capacitação ao uso;

7.criação de agência para facilitar a adopção e desenvolvimento de software livre; e

8.avaliação do impacto económico e social da produção e utilização de software livre no país.

 

Artigo Revista B!T nº 157 – Outubro 2011