Autor: Aaron J. Seigo

O Movimento Software Livre tem uma história de criação e suporte ao culto à personalidade. Uma vez que isto é um fenômeno humano generalizado, é fácil entender como isso acontece. Isso é, porém, inútil e destrutivo e nós deveríamos ativamente desencorajar este comportamento, começando por pôr de lado os atuais cultos.
 
A mais recente, embora certamente não o único exemplo, deste comportamento retrógrado foi observado quando Linus Torvalds começou a postar no Google+ sobre sua recente análise de várias soluções de ambiente de Desktop livres. Isso foi replicado em vários blogs, Slashdot, Linux Today e etc. Por que nós importamos com o que Linus usa? Basta dizer que: ele é uma super estrela na comunidade de Software Livre e as pessoas se apegam a todas as suas palavras como se ele fosse um oráculo de todas as coisas de tecnologia. Alerta de Spoiler: Ele não é.
 
As opiniões, de Linus, sobre ambientes de Desktop são tão significativas quanto a opinião dele sobre foguetes, filmes, técnicas de recuperação de óleo, sociologia, história das religiões, engenharia de automóveis ou qualquer outro tópico que ele não tenha experiência significativa.

Todo mundo tem uma opinião sobre as coisas que usa, tais como carros e barcos, e sobre coisas que simplesmente entramos em contato, tais como filmes ou religiões. Compartilhar nossos pontos de vista é ótimo, e é uma parte necessária do discurso democrático que pode mover a sociedade ao longo do seu caminho evolutivo.
 
Sendo assim, opiniões tem valor e podem ser altamente benéficas quando misturadas com centenas, milhares ou até milhões de outras opiniões. O segredo, porém, é não deixar a aqueles cuja as opiniões não são de grande valor, em termos de serem baseadas em um maior entendimento ou de terem acesso a dados relevantes, se tornarem mais importantes do que outras opiniões nas discussões.
 
Linus é tão susceptível de esta "errado", quanto a soluções de ambiente Desktop no Linux, como a maioria das outras pessoas que utilizam soluções de Desktop. Eu usei aspas porque ele não esta tão errado sobre tudo: qualquer que seja seu ponto de vista recente, reflete sua opinião claramente e pode até ser extrapolado para outras pessoas com necessidades similares. Isto não deve surpreender. É como dizer que Linus pode esta errado sobre foguetes como qualquer outra pessoa que não esta envolvida no seu projeto e fabricação. Talvez mais, mesmo que Linus não seja um grande entusiasta do Espaço mais apenas um leitor de artigos casual e veja coisas que a NASA disponibiliza em press releases.
 
Quando eu vi pela primeira vez outras pessoas comentando sobre os comentários dele no Google+ sobre o uso do KDE Plasma, eu compartilhei o sentimento acima, mas de forma mais resumida. Eu não me importo com o que Linus usa, pelo menos não como um dado isolado: não é informação útil por uma simples razão: não nos ajuda a criar o software de que o mundo precisa.
 
Vamos dar um passo para o lado e considerar isso por um angulo diferente: Imagine que alguém desenvolva o ambiente de Desktop perfeito para o Linus. Algo que o satisfaça completamente, e que ele possa falar alegremente sempre que deseje. Será que este ambiente será interessante e útil para o público em geral, ou será interessante apenas para desenvolvedores do kernel e pessoas mal humoradas como o Linus? Poderia ser das duas formas, realmente, porque (de novo) o fato de que Linus gostou não é necessariamente uma informação útil quando vista de forma isolada.
 
Nós poderíamos escolher qualquer outro indivíduo no planeta que não tenha a mesma quantidade de experiencia relevante e dizer a mesma coisa. Isso não é uma "surra" no Linus, é uma observação sobre algo que o Movimento Software Livre faz muito mal.

Não é culpa do Linus que nós prestamos mais atenção a ele, em tais tópicos, do que deveríamos; somos nós que decidimos prestar atenção ao Linus em tais tópicos. Nós também podemos decidir não prestar atenção. Ainda melhor, podemos focar em conjuntos de dados bem formados e prestar atenção nestes.
 
Então porque nós prestamos tanta atenção e nos importamos sobre tudo o que o Linus diz ou pensa sobre estas questões? Existe razões muito humanas para o porque de fazermos isto, as quais os cientistas sociais podem, provavelmente, falar melhor do que eu, de modo que isto é em grande parte uma questão retórica. Eu acredito que é inegável, contudo, que arriscamos a direção do Movimento Software Livre construindo tais cultos à personalidade.
 
É claro, isto vai ainda mais longe. Estes cultos à personalidade encorajam a outras pessoas a imitarem pessoas como o Linus, quando se trata de coisas como estilo de comunicação. Devido à tendência humana de "nós imitamos a quem admiramos", mantendo o Linus "em alta" encoraja as pessoas a adotarem um padrão de comunicação rude.

Linus não é um bom exemplo para nada além de manter de forma bem sucedida o kernel do linux e a projetos similares, ainda assim ele é imitado por pessoas que confundem o segredo do seu sucesso com seu estilo de comunicação.
 
O culto em torno do Linus não é o único culto à personalidade no Movimento Software Livre, por certo. Este episódio é simplesmente uma boa oportunidade de falar sobre isto. Eu poderia facilmente escrever uma post no blog sobre os outros problemas, que o culto à personalidade causa ao Movimento Software Livre. Meus anos na comunidade me "agraciaram" com uma grande quantidade de experiência pessoais relacionados com quase todas as supostas personalidades do Movimento Software Livre.
 
...qual é a "grande lição" aqui: ninguém é um messias e somo todos igualmente frágeis e imperfeitos. Em palavras positivas: somo todos igualmente infalíveis e perfeitos. Então de onde podemos tirar uma liderança, se não de personalidades luminosas?
 
Eu não acredito que o Movimento Software Livre precise, ou se beneficie, de lideranças globais tanto quanto o mundo precisa de ditaduras ou de um governo único global. O que o Movimento Software Livre precisa é, de lideranças locais, e estes lideres precisam ter sua influência limitada (por uma falta de deificação saudável, entre outras coisas) a fim de criar um ambiente no qual é valioso (e mais aceitável) chegar a outros através de domínios.
 
Sem isto, nos ficaremos a deriva inutilmente. O Movimento Software Livre não foi capaz de decolar em dispositivos de consumo até que uma corporação ditadora entrou em cena, basicamente ignorando a todos e empurrando o Android.
 
Este por sua vez se tornou, atualmente, a principal fonte de violações da GPL (Eu só encontrei outra hoje, agora é um tablet sendo oferecido para venda por uma respeitada revendedor de computadores que "apoia" o Software Livre) e isto não é um ecossistema com participação igualitária ou com governança aberta.
 
Precisávamos do Android porque não poderíamos fazê-lo nós mesmos, porém o Android também é uma grande fraqueza para os esforços do Movimento Software Livre, e fica muito aquém do que é realisticamente possível. Nós não podemos nos queixar muito alto, porque não conseguimos juntar toda nossa "merda" para produzir resultados melhores antes.
 
Nós ainda estamos esperando pelo "salvador" no lado do Desktop. Alguns pensaram que poderia ser o Ubuntu, mas o que tivemos do Ubuntu, em grande parte devido a abordagem de "ditador vitalício auto-nomeado", é um bifurcação de um dos maiores ambientes de Desktop e de sua comunidade com um inútil sideshow quase interminável de maledicência entre várias distribuições Linux, desenvolvedores do kernel e outros com a Canonical.

Tudo isto ocorreu por razões compreensíveis, nada disso foi feito sem uma lógica interna consistente, e ainda assim não promoveu os objetivos finais para o sucesso do Movimento Software Livre.
 
Eu não sei sobre você, mas eu estou doente e cansando sobre a ineficiência e comportamento auto-destrutivo do Movimento software Livre devido às cismas internas.
 
Ah, mas temos exemplos positivos onde o Software Livre fez muito bem: os servidores e super computadores. Por que o Software Livre, impulsionado pelo modelo de desenvolvimento de código aberto, brilhou tão brilhantemente aqui? Quando olhamos profundamento para a sua história podemos notar a relativa falta de culto à personalidade e a grande ênfase em dados que importam (algo que é mais fácil de realizar quando se pode utilizar análises de performance ou testes de conformidade com métricas respeitadas e confiáveis).
 
Certamente há pessoas que são respeitadas, admiradas e influentes no lado de servidores, mas há uma clara falta de culto à personalidade e um grande número de cooperação (mesmo na competição), e esforços concentrados na tecnologia. O Samba me veem a mente imediatamente, com Jeremey Allison e John Terpstra, duas pessoas que respeito muito mas que não tem a aura de "culto à personalidade".
 
É claro que nem tudo são rosas, a todo tempo, no lado das ferramentas de servidor, é claro, existem contra-exemplos ao Samba e eu provavelmente apontaria para o MySQL e sua história ao longo dos anos (desde seu começo como Software Não Livre, passando pela estranha interpretação da GPL e a tomada corporativa desta), que eu acredito se correlacionar com o controle centralizado por uma liderança carismática ligado ao fanboysm do projeto. Você sabe, exatamente como vemos com o Desktop no Linux.
 
Para aqueles que podem concordar, mas responder com "mas é assim que as pessoas trabalham, não há muito o que possamos fazer": bem, eu aceito o seu ponto de vista, mas humildemente discordo. Talvez não possamos mudar o mundo como um todo (pelo menos, não apenas em uma noite), porém podemos positivamente afetar partes do mundo que nós mesmos criamos. Nós criamos Software Livre juntos, e portanto podemos criar este a imagem que queremos.
 
Como participante co-criador deste mundo, eu tenho impacto em como ele funciona e sobre a cultura que o cerca... como você. Não somos completamente impotentes para nós mesmos; nós podemos fazer escolhas sábias se optarmos por isto. O progresso da justiça social na história humana nos mostrou que não somos escravos das nossas fraquezas, embora possa levar tempo e esforço para emancipar-nos.
 
Nós podemos tomar a decisão de libertar-nos dos cultos a personalidade usando a nossa própria consciência: construindo estruturas descentralizadas de responsabilidade, prestando atenção e recompensando o esforço cooperativo (e coletivo). Isto irá permitir-nos juntar os nossos esforços, em conjunto, dentro de uma maciça e combinada fogueira ao invés termos mil brasas minúsculas lutando por combustível e oxigênio de tal forma que brilhem mas inevitável mente voltem a se apagar.
 
Nós precisamos perceber que o comportamento que surge da nossa cultura atual não promove os objetivos que todos compartilhamos juntos para o sucesso do Movimento Software Livre. Se isso realmente é o que queremos, então precisamos alterar o que retarda o nosso progresso em direção a este objetivo. Precisamos valorizar o progresso do Movimento Software Livre mais do que valorizamos a recompensa do fanboyism.
 
Simplificando: se queremos softwares livres para prosperar precisamos nos engajar numa melhoria consciente da cultura do Software Livre e, tão importante quanto, deixar para trás aqueles que optarem ao contrário. Eu não vou tentar enganar ninguém: isto vai levar anos para acontecer... porém podemos começar agora.
 
Vá em frente e diga: "Eu não me importo com o que Linus Torvalds usa no seu computador." Viu como pode ser fácil? :)

Traduzido livremente de

http://aseigo.blogspot.com.br/2012/11/ending-cults-of-personality-in-free.html

Sugestões e críticas construtivas a tradução

marcelo@juntadados.org